Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Por fim, eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva. A foto saiu legal.
texto extraído do livro:
"Ensaios fotográficos" Manoel de Barros Editora Record
Na semana passada mais uma perda ... D. Helena levou parte de sua luz para outros destinos ... Quando a conheci pessoalmente, em 2005, foi impossível não "sentir" sua beleza, radiante aos 80! "Convivemos" por menos de 3 horas, é verdade ... tempo suficiente - efêmera eternidade - para comentarmos sobre o quanto gostávamos de ser ... Helenas! Compartilho aqui uma sensível e doce homenagem feita por suas netas ...